segunda-feira, 10 de outubro de 2011

4ª edição do Ciclos de Jornalismo tem debate acalorado sobre crítica cultural

Alexandro Mota

O lugar do crítico e suas adaptações às novas mídias, as mudanças nas "críticas" publicadas em produtos jornalísticos, o funcionamento das relações entre críticos, público e mercado de divulgação, além das discussões em torno da formação do crítico cultural foram os principais assuntos da 4ª edição do Ciclos de Jornalismo. Atividade de extensão permanente da Faculdade de Comunicação da Ufba, o Ciclos debateu, na última quarta-feira (06),  o tema “Jornalismo Cultural: da especialidade à crítica”. Além de criar relações de aproximação entre acadêmicos e profissionais - principal objetivo do evento - esta edição proporcionou o encontro de diferentes gerações de críticos de arte e o dialogo entre diferentes visões do exercício do jornalismo cultural, entre essas, a de uma estudiosa em criticar os críticos. As provocações lançadas aqui no blog e direcionada aos participantes auxiliou o debate.

Enriquecido com essa diversidade, o evento proporcionou a pouco mais de 100 participantes (entre professores, jornalistas e estudantes de diferentes cursos e instituição de ensino), e aos internautas que acompanharam a transmissão ao vivo pela web, uma manhã de reflexão sobre os desafios e práticas do jornalismo cultural. Proposto e moderado pela professora Regina Gomes, o debate sobre essa vertente de atuação do jornalismo teve como convidados: João Carlos Sampaio, jornalista e crítico de cinema; Hagamenon Brito, editor de cultura do jornal Correio* e Antonio Marcos Pereira, professor do Instituto de Letras e colaborador do caderno Prosa & Verso de O Globo. Estes debateram com o professor e crítico de cinema, André Setaro, a professora do Instituto de Letras da UFBA e pesquisadora de crítica cultural, Rachel Lima e com o músico, jornalista e professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA, Messias Bandeira.


“A crítica é a arte da paciência”, definiu o professor André Setaro, fazendo referência à necessidade de um repertório para a excelência na profissão. Repertório esse que, segundo debatido na mesa, não deve se restringir apenas ao consumo de bens culturais, mas na busca de capacitação para analisá-los. João Carlos Sampaio lembrou as dificuldades que teve ao iniciar sua carreira, em 1993: “A ausência de um predecessor com as características do que eu tento fazer hoje, que é manter um diálogo nacional, trazendo para a Bahia informações, análises e referências, tornou meu caminho um desafio, mas também tornou mais saborosa cada pequena conquista”, disse. Não foi diferente para Hagamenon Brito, que contou sobre sua formação quase que “autodidata” como crítico e avaliou o Ciclos de Jornalismo como uma oportunidade de aprendizado. “Esse é um evento que deveria acontecer cada vez mais para aproximar a academia do mercado. No geral, sofre-se muito ao chegar ao mercado com uma visão elitista e teórica demais”, analisou o jornalista.

Tanto para Hagamenon como a professora Rachel não se faz mais crítica cultural (musical ou literária). Para Hagamenon o que se tem hoje é uma mistura de “resenha, informação e serviço”, não só pelos constrangimentos da rotina no jornalismo, como o tempo, sobre o qual todos falaram, mas também por ser, para ela, uma necessidade do público. Quanto a este último, o professor e crítico de literatura Antonio Marcos rechaça a ideia de leitor ideal e diz que, quando escreve, pressupõe estar falando para pessoas que lêem ou que têm interesse, não só na leitura, mas também no que é esta experiência de leitura. Já para a estudiosa de crítica Rachel Lima, o que se faz hoje nos produtos jornalísticos é apenas resenha, notando, inclusive, o desaparecimento de alguns cadernos culturais.

A internet e as fronteiras entre o amador e o profissional

As influências da web e sua multivocalidade no universo da crítica foi uma discussão levantada por Messias Bandeira. Hagamenon reconheceu o caráter desafiador da internet, o que, segundo ele, incentiva jornalista e críticos culturais a buscarem novas formas de realizar o seu trabalho, no entanto, disse se preocupar com a perda das fronteiras entre o amador e o especialista. Esse último aspecto, no entanto, não abala João Carlos Sampaio, que vê nesta característica um dos potenciais da rede, já que, para ele, é o leitor que deve escolher com quem se identifica, independente da formação. No debate, foi inquestionável o quanto o advento da internet aquece a relação entre autor, produtor e público.

Diante da pouca oferta de especialização, da pouca valorização desse profissional no mercado e aumento do número de produtores de crítica, a pesquisadora Rachel ponderou: “Não se trata de uma crise da crítica, mas uma reconfiguração. Há uma lamentação geral, e, paradoxalmente, isto acontece em um momento de uma expansão da cultura”. Ela lembrou que alguns pensadores propõem que críticos reconheçam a subjetividade de suas falas e abandonem a objetividade e imparcialidade exigida. Na contramão, profissionais queixam-se que as demandas das redações não permitem análises aprofundadas e revisões das obras, além de cobrar o que chamam de “resenha crítica”. “A crítica estruturada perdeu espaço no jornalismo diário, agora está mais nas revistas e blogs especializados. É preciso buscar novas formas para reverter esse declínio para que, no caso dos jornais, não fiquemos reféns da indústria da divulgação”, avalia Hagamenon.

Como esta a produção cultural na Bahia?

Provocados pela professora Regina Gomes para que fizessem uma análise da produção cultural baiana nas suas áreas, os especialistas fizeram elogios e críticas de artistas e do contexto. Rachel Lima criticou certo bairrismo existente na produção local.  Hagamenon avaliou a decadência do Axé Music – termo cunhado por ele – destacando raras exceções na MPB, até mesmo no Pagode, além de opinar sobre a cena do rock: ”Os rockeiros baianos choram demais e não fazem muito". Quanto ao cinema baiano, Setaro afirmou que há uma efervescente produção, mas que não há mobilização para distribuição e exibição: “Do que adianta produzir cinema para que fique restrito aos amigos e aos festivais?”. No diagnóstico de João Carlos Sampaio, há na Bahia um descompasso com a produção cinematográfica no restante do país, que tende a criação de coletivos. Messias Bandeira, como sempre, brincou em sua análise: "A melhor coisa em música no ano passado é meu disco", arrancando os risos da platéia.

Confira, em breve, os vídeos em que os especialistas fazem esta análise.