quarta-feira, 5 de abril de 2017

De malas prontas com o jornalismo

Beatriz Costa com Ingrid Medina, Marina Bastos e edição de Arthur Araújo


Alunos puderam dialogar com profissionais com experiência no mercado internacional 

“A gente fica tão focado em estar aqui [na Bahia], que não consegue perceber as oportunidades lá fora. As possibilidades de fazer comunicação estão muito mais amplas”, comentou a jornalista e produtora de eventos Brenda Ramos, durante a 5ª edição do Ciclos de jornalismo, que aconteceu na última quinta-feira (30), no auditório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBa). Além dos estudantes da Facom, estiveram presentes alunos de faculdades particulares, como a Unifacs, Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) e Dois de Julho.

Promovido pelo Núcleo de Estudos em Jornalismo (NJor), o tema do encontro foi “Fazendo Jornalismo Fora da Bahia”. Para debater o assunto, três jornalistas com experiências profissionais em Madri, Angola e São Paulo apresentaram as diferenças dos mercados e das rotinas de trabalho. Foram eles: Brenda Ramos, que atuou como assessora da presidência em Angola, Nelson Barros Neto, atual gerente de comunicação do Esporte Clube Bahia, que trabalhou na capital paulista como redator do Portal R7 e na editoria de esporte da Folha de S. Paulo, além de Juan Torres, diretor de inovação do Correio*, que vivenciou a rotina na redação dos jornal Marca (Espanha) e fez intercâmbio no The Texas Tribune (EUA).

Dois debatedores foram convidados para o evento: a jornalista e professora Malu Fontes e o editor do Aratu Online e mestrando do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura (PósCOM), André Uzeda, que foi correspondente da Folha de S.Paulo. À frente da mediação estava o jornalista Eder Luis Santana, doutorando do PósCOM e membro do NJor.

Experiências na bagagem 

Durante os três anos como executiva de comunicação em Angola, Brenda Ramos afirma ter passado por diversos desafios. Machismo e preconceito eram problemas frequentes na sua rotina. Ainda assim, a produtora de eventos acredita que a experiência internacional valeu a pena, como explicou em entrevista ao FacomNews. “Indico para todo mundo porque é um crescimento profissional e pessoal incrível. Você tem que lidar com uma cultura diferente, trabalhar com seu texto, transformar para outra realidade. Todo mundo tem que estar aberto a isso de alguma forma”, defendeu.

Para Nelson Barros Neto, trabalhar em outros estados é um processo de recomeço, já que você precisa construir um nome do zero, além de ser um processo que exige determinação. “Para mim foi tudo muito natural, as coisas foram acontecendo, mas é preciso trabalhar duro. O mais importante é se empenhar. Não tem como achar que as coisas vão acontecer do nada. Você tem que dar o seu melhor”, destacou, também em entrevista.


Presença de alunos de faculdades como Unifacs, FTC e Dois de Julho marcou o evento

“É importante sair para beber de outras fontes, mas também para desmistificar essa ideia de inferioridade que o brasileiro costuma ter”, defendeu o jornalista Juan Torres. “A saída para outros estados ou para o exterior é importante para ver o que acontece lá fora, voltar e perceber que fazemos um bom trabalho aqui, equivalente ao trabalho de lá. Essas oportunidades, além de darem aprendizados, são uma boa injeção de autoestima que permite ver como produzimos coisas legais”, avaliou. O jornalista reiterou, em conversa com a equipe do FacomNews, que não há ampla diferença no capital humano que trabalha nas redações do Brasil e do exterior. O diferencial está na estrutura de trabalho oferecida.

O acesso às oportunidades internacionais está disponível para todos. De acordo com Juan Torres, a melhor parte das suas experiências relatadas é o fato de não terem sido custeadas com bolsas de incentivo. “Nunca gastei um centavo. Pelo contrário, acabei voltando com dinheiro. Existem muitos programas disponíveis fora do Brasil que dão bolsas e que mantêm a gente por um tempo. É importante acompanhar esses movimentos, esses programas e seguir essas oportunidades”, contou.

Para a professora Malu Fontes, os mercados estão todos envolvidos em um mesmo momento de crise. "Temos uma crise do jornalismo mundial, não apenas no baiano. O que chamo de crise é como se ajustar a esse novo mercado pós-industrial com a decadência do impresso. Mas levando em conta que estamos dentro disso, no Nordeste temos os problemas que todos têm, claro que dentro das suas especificidades regionais. Todos estão passando por crises semelhantes", defendeu em entrevista.

Diferenças de mercado

As diferenças sentidas pelos profissionais nos diversos mercados explorados também foi alvo de interesse dos estudantes presentes no evento. Para Brenda Ramos, por exemplo, o que chamou mais atenção foi a questão cultural. “Senti a diferença de trato com o outro. Em Angola eles são muito formais e o brasileiro é mais despojado. Quando você marca às 17 horas, será às 17 horas em ponto, e não às 17h15, como é aqui. Enfim, são essas pequenas formalidades, além da forma mais séria de lidar com o trabalho”, contou.

Para Juan Torres, que passou por redações em Madri e no Texas, as diferenças podem ser apontadas tanto em questões comportamentais, como a animação e irreverência das redações, quanto de tradição jornalística. “Seguimos um jornalismo da escola americana, muito mais objetivo, com mais pirâmide invertida, estrutura mais engessada, um jornalismo muito declaratório. Já o jornalismo europeu trabalha mais com a especulação, com análise e com texto mais livre. Essa é uma diferença grande. Outra diferença é quanto ao posicionamento político. Lá os jornais têm uma liberdade”, explicou.

André Uzêda, que edita o Aratu Online e atuou como correspondente da Folha de S. Paulo, destacou em entrevista que um dos pontos que diferenciam o jornalismo de envergadura nacional para o local é o incentivo à reportagem. “Eu estava no Ceará e acontecia uma coisa grave no Piauí no mesmo dia. Eles me mandavam cobrir. Uma coisa que me incomoda em Salvador é a falta desse incentivo. Acontece uma coisa, por exemplo, em Paripe e, às vezes, você manda o repórter cobrir por telefone”, comparou, após lembrar que essa é uma questão de falta de estrutura disponível e de oportunidade. "O jornalismo é o mesmo. Aprendendo a fazer não tem mistério, é jornalismo em qualquer lugar”, finalizou.

O jornalista Eder Luis Santana, que participou da organização do evento, definiu o encontro como uma iniciativa de diálogo entre a academia e o mercado. "Eventos como esse são a prova de que existe esse movimento de aproximação. É você pegar profissionais, pessoas que estão na labuta diária da comunicação, para que os estudantes, que estão muito mais ligados ao meio acadêmico, possam estabelecer uma relação de diálogo", completou.

Diversas instituições foram citadas durante a mesa redonda, desde fundações a organizações de classe. Confira:

ABRAJI
ONA
INJET
ICFJ
Fundacíon Carolina

terça-feira, 4 de abril de 2017

André Uzêda: "Uma coisa que me incomoda em Salvador é a falta de incentivo à reportagem"

Marina Bastos

André Uzêda, editor do portal Aratu Online e mestrando do Programa de Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA, trabalhou como correspondente da Folha de S. Paulo no Ceará.

Qual a importância de eventos como esse do ciclos de jornalismo, onde o aluno pode ter contato com jornalista atuantes?

André Uzêda - Eu acho que é fundamental ter esse tipo de evento. A gente tem esse arcabouço teórico, mas precisa também saber como é o jornalismo na prática mesmo. Na minha época na Facom eu sempre tinha essa preocupação e eventos como este são bons porque aproximam as pessoas que estão no mercado e o estudante. Você tem uma realidade aproximada do que vai viver. Eu acho que esse evento é justamente para isso, dar uma luz ao estudante para que ele possa saber o que acontece na redação, como é o trabalho, se ele vai querer seguir mesmo isso, essa vida cheia de dificuldades.


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Você também já trabalhou como correspondente da Folha, no Ceará. Como foi essa experiencia e como funciona o jornalismo da Folha de S. Paulo comparado com o da Bahia?

A maior diferença que eu percebo, fora essas questões organizacionais das empresas, era o incentivo à reportagem. Então, por exemplo, eu estava no Ceará e acontecia uma coisa grave no Piauí, no mesmo dia eles me mandavam cobrir. Uma coisa que eu me incomodo aqui em Salvador é a falta desse incentivo. Acontece uma coisa, por exemplo, em Paripe e, às vezes, você manda o repórter cobrir do telefone. É uma realidade próxima, a gente tem que ir lá fazer, o jornalista tem que estar no fato e não cobrir só por intermédio. Acontece de, por alguma necessidade, usar o telefone, mas alguns acontecimentos, você tem que estar presente. Então, uma coisa que eu achava muito positiva na cobertura da Folha era o incentivo na reportagem. Isso ajuda a moldar o jornalista de uma forma diferente e o veículo ganha muito com esse incentivo. Eu acho que é uma coisa que aqui, por questão de estrutura, isso precisa se desenvolver bastante.



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Como essa oportunidade de trabalhar na Folha surgiu?

Eu recebi um convite. Eu estava trabalhando no A tarde e fiz uma cobertura do que acabou sendo o impeachment do presidente do Bahia. Ela ganhou muito destaque e acabou chegando em São Paulo. Nessa mesma época, eu fiz a cobertura da copa das confederações, viajei cobrindo a seleção brasileira. Eles viram meu trabalho e quando abriu essa vaga no Ceará eu fui convidado a ir. Foi muito bom como crescimento. O jornalismo tem essa grande qualidade, o seu trabalho destacado se torna visível, se você se destaca, isso desperta o interesse do mercado.

Qual foi o maior desafio ao ingressar na Folha? Quais as maiores diferenças?

Têm umas coisas chatinhas na Folha, tem um manual de redação que você tem que seguir, então é um texto pouco livre. Eu trabalhava na editoria de esporte que, geralmente, é um texto muito mais criativo, mas na Folha você segue muito mais aquele manual de redação. Também tem a questão afetiva de você sair de sua cidade, morar longe, essas coisas que você tem que superar de alguma forma. Além de uma cobrança maior. Eu lembro que a Folha criava um placar entre os correspondentes, quem dava mais furo, quem dava mais matéria original, quem errava menos, eles estipulavam essa concorrência para saber quem estava se destacando mais. Essa era uma realidade que eu nunca tinha vivido aqui, mas você tem que se adaptar, tem que fazer. O jornalismo é o mesmo, mas acho que é uma coisa ampliada, uma cobertura maior, com essas cobranças. Aprendendo a fazer não tem mistério, é jornalismo em qualquer lugar.

Quais foram os aprendizados mais importantes ao trabalhar na Folha e como você os trouxe para o seu trabalho atual na TV Aratu?

Isso de incentivar a reportagem. Eu coordeno o site hoje e sempre falo para os repórteres, não fiquem na redação, não fiquem esperando que eu paute vocês, que eu fale para vocês fazerem isso e aquilo. O trabalho de correspondente era muito isso, o editor te deixava solto, mas você tinha que entregar matéria, você tinha que trazer resultados, você que tinha que ler os outros jornais e olhar diário oficial para trazer reportagem. Eu tento estimular isso de ser proativo, buscar as informações. Eu dou uma liberdade para fazer as matérias, mas os repórteres têm que buscar. Então, é um pouco dessa vivencia que eu tive e tento incentivar que eles façam.

Brenda Ramos: "As possibilidades de fazer comunicação estão muito amplas"

Ingrid Medina

Brenda Ramos, jornalista e produtora de eventos, possui experiência internacional como executiva de Comunicação em Angola.

Trabalhar fora da Bahia sempre foi uma aspiração sua?

Sim, durante um tempo. Eu trabalhava no A Tarde nessa época e um intercâmbio para a Inglaterra em junho de 2012 me inspirou a querer estudar ou ter uma experiência em comunicação fora. Em novembro do mesmo ano o universo parece ter conspirado e eu recebi o convite para trabalhar em Angola. Foi uma experiência maravilhosa. Eu indico para todo mundo porque é um crescimento profissional e pessoal incrível. Você tem que lidar com uma cultura diferente, trabalhar com seu texto, toda sua carga de cultura e de escrita e ter que transformar isso para uma outra realidade. Eu acho que todo mundo tem que estar aberto a isso de alguma forma.


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Você teve algum receio por ser a Angola, um país diferente?

Sim, muito. Minha família enlouqueceu. Surgiram os medos daqueles preconceitos que o continente africano já carrega ao longo da sua existência. Então, fiquei com medo de doenças, de acontecer alguma coisa, de violência e tudo mais. Só que a minha experiência lá serviu para desmitificar toda essa carga preconceituosa que a gente tem, quando não se vive na África, quando não a conhecemos. Foi muito importante para quebrar esses paradigmas. Claro que lá também existem problemas, situações muito graves: malária, febre amarela, até a questão do Ebola. É uma coisa assustadora se você parar para pensar. E tem pessoas que não conseguem conviver com uma realidade como essa. Mas para mim qualquer dificuldade gera aprendizado, então foi muito importante passar por isso.

Você poderia destacar uma experiência marcante que viveu lá?

Eu escrevia e editava um jornal interno, que circulava dentro da maior obra em andamento da África, a de uma hidrelétrica. O nome do jornal era “Laúca Informa” e ele era utilizado durante os trabalhos educacionais realizados nas vilas que iam sendo dadas pelas barragens. Quando eu recebi as fotos das pessoas das aldeias lendo o jornal, eu fiquei muito emocionada. Eu vi que estava sendo útil a informação que a gente estava produzindo. Foi uma experiência muito legal.

Quando você voltou aqui para Bahia, você sentiu muita diferença?

Sim, primeiro porque eu fiz uma transição de carreira. Logo quando eu voltei eu abri uma empresa, um espaço de eventos e comecei a trabalhar com comunicação dentro do meu próprio empreendimento. Agora eu estou editando uma revista que vai ser lançada em abril voltada para o mercado pet. Então, no lidar com as pessoas, eu senti muita diferença de trato com o outro. Em Angola eles são muito formais e o brasileiro é muito despojado. Quando você marca 17h, é 17h, não é 17h15, como é aqui. São essas pequenas formalidades, como a forma mais séria de lidar com o trabalho, e que acontece tanto com o povo angolano como com o estrangeiro de forma geral. Por se tratar do segundo país da África, maior fabricante de petróleo, tem muita gente de fora. Os padrões de comportamento, pessoais e profissionais, são completamente diferentes do Brasil. Então, após três anos lidando com tamanha formalidade, tive que voltar a lidar com o jeitinho brasileiro. Foi uma coisa bem complicada, eu me estressei muito.

Já recebeu alguma outra oportunidade para trabalhar fora ou está analisando alguma?

Nesse momento, não. Eu sinto muitas saudades de Angola, das pessoas e de tudo o que eu construí lá, de relações de aprendizado, mas eu acho que fechei um ciclo. O país em si não está muito propício financeiramente para construir uma carreira. Está muito difícil enviar dinheiro da Angola para o Brasil, os salários já não são mais em dólar ou em real. Então, financeiramente não está valendo a pena. Como agora eu tenho uma raiz, uma empresa para cuidar é diferente de quando eu recebi o convite, que eu não tinha nada, só minha bicicleta e um cachorro. Mas, hoje é mais difícil. Eu voltaria se fosse uma coisa mais pontual, um job. Talvez se fosse para outro país, com condições de vida melhor... Acho que meu ciclo com Angola se fechou e eu guardo com muito carinho.

Você recebeu alguma indicação para trabalhar lá ou 'meteu a cara'?

Quem me indicou foi minha ex-editora do A Tarde, Marlene Lopes, que estava lá há um ano e meio e me convidou para trabalhar com ela.  Ficamos mais ou menos um ano e oito meses trabalhando no gabinete de marketing da presidência do país. A gente ficava mesmo na área de administração, fazendo clipagem e monitoramento de mídia para os ministros. Uma experiência muito grande também, por lidar com o alto escalão. Eu tinha acabado de chegar e me deparei com esse desafio. Tive que mudar meu guarda-roupa todo, mas também foi um aprendizado, porque eu sempre fui assim, despojada, calça jeans e camiseta. Em Angola, como eles são muito formais, eu tive que fazer uma grande alteração no meu armário. Mas foi legal porque de certa forma é respeitar o ambiente do outro. Não podemos querer impor nossa cultura, nosso modo de se vestir para as pessoas.

Como você vê a importante de um evento como o “Ciclos de Jornalismo”?

Eu acho importante. Quando eu fiz faculdade de jornalismo eu tive um curso que pregava romantismo na área. Eu saí da faculdade achando que mudaria o mundo e quando a gente bate de frente com as dificuldades do mercado de trabalho é frustrante, na realidade de Salvador. Trazer pessoas que conseguiram romper barreiras de fronteiras da Bahia pode servir de estímulo, de inspiração para os estudantes estarem mais abertos. Às vezes a gente fica tão focado em estar aqui, que não consegue perceber as oportunidades que tem lá fora, principalmente com internet e redes sociais bombando. As possibilidades de fazer comunicação estão muito mais amplas. Acho que eventos como esse servem para abrir um pouco a mente dos estudantes.

Para quem aspira ser correspondente ou trabalhar fora, qual seu maior conselho?

Meu maior conselho é ter a mente e o coração aberto. Nunca achar que você é superior à outra cultura. Na verdade, esse é o princípio básico de sobrevivência de qualquer ser humano em qualquer lugar do mundo. É tratar o outro como você gostaria de ser tratado, isso vai lhe abrir portas, seja no escritório, na redação, ou na sociedade como um todo. Isso vai tornar sua experiência ainda mais rica em todos os sentidos: se colocar como um aprendiz. Você não está na sua casa, você está na casa dos outros. Você tem que ter um cuidado, um requinte no seu comportamento, para que você e as pessoas deem o seu melhor. Tornando tudo um aprendizado, o crescimento é geral, porque eles também vão aprender com a sua cultura. É uma postura educada, gentil e sem pedantismo. Principalmente no meu caso, já que fui para um continente que já se sente subjugado historicamente. Eu sou assim normalmente, acho que essa postura me ajudou a construir relações sólidas e aprender bastante com eles.

Qual a diferença da Brenda de calça jeans para a empreendedora?

Primeiro que lá se costuma dizer que três meses de Angola é igual a um ano no Brasil. Nossa rotina de trabalho era três meses lá e 15 dias aqui. A gente vivia tanta coisa, tudo tão intenso que eu acho que eu envelheci uns 10 anos nesse período. Eu me sinto muito mais madura. Eu me arrependo de algumas coisas desde que saí da faculdade, como ter ido muito para o mercado ao invés de seguir o que eu realmente acreditava. As oportunidades estão em tal área, então eu fui viajando em setores que não me satisfaziam, mas tinham oportunidade de emprego. Isso de certa forma é uma frustração. Hoje, eu aprendi a estar mais conectada com meus próprios valores, com o que eu realmente acredito e gosto de fazer. Por exemplo, eu amo animais, porque não posso fazer uma revista sobre isso? Se a gente conectar tudo que realmente gostamos com a profissão vai dar certo de alguma forma.

Por que empreender?

Na verdade, é a casa da minha família. Eu adoro festas, adoro eventos, uma coisa que me dá prazer e traz rentabilidade. Me conecta com minha família e fortalece nossa relação. Um negócio no qual posso gerir melhor meu tempo, inclusive em projetos paralelos, como essa revista. Me deu uma certa mobilidade e conforto de fazer o que eu gosto. Também faço curso de gastronomia à noite. Eu peguei as três coisas que mais gosto de fazer e estou fazendo. A gente tem que perder um pouco dessa percepção de ser uma coisa só, aquilo para o que se formou. É necessário estar com a mente aberta para fazer as coisas que realmente lhe dão prazer e o jornalismo é um ofício muito adaptável. Você pode usar a comunicação em qualquer coisa, em qualquer área da sua vida. Mesmo que você não entre em uma redação de jornal, monte uma empresa, ela estará em você, você vai usá-la ao seu favor. O mundo está muito múltiplo e a gente não pode se fechar em uma visão.

Nelson Barros: "Para quem quer sair da Bahia, o mais importante é trabalhar duro"

Ingrid Medina

Nelson Barros, gerente de Comunicação do Esporte Clube Bahia, atuou como repórter e correspondente da Folha de S. Paulo e como redator no portal R7.

Trabalhar fora da Bahia foi sempre uma aspiração para você?

Eu nunca tive esse sonho de trabalhar fora da Bahia. Sempre achei que tinha que ficar aqui mesmo. Só que as coisas na minha vida foram acontecendo naturalmente. Eu sei que tem muita gente que sonha[em sair], até mesmo pelas dificuldades do mercado local, que infelizmente está cada vez pior. Eu já trabalhava no jornal A Tarde e estava satisfeito. Fui fazer uma cobertura em São Paulo e acabei recebendo um convite, devido à indicação de uma amiga, para trabalhar no site R7. A chefa da empresa gostou de mim, não sei se ela gostava de baianos. Nem pensei em aceitar, mas depois de conversar com amigos e minha família acabei aceitando. Não foi uma vontade de sempre, como você perguntou, mas foi muito válido para mim. Eu gostei muito.


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Como era sua experiência lá? Você sentia muita diferença em trabalhar no portal R7 e aqui?

Só para complementar eu também trabalhei na Folha de S. Paulo, onde fiquei por um maior período. Eu trabalhei uns três meses no R7 e depois saí porque preferi. Acho que basicamente a principal diferença é que quando você chega lá tem que recomeçar do zero. Mais um baiano que chegou. Pode ser olhado com um certo preconceito: “Tá roubando uma vaga de paulista”, coisas assim. É difícil por isso, porque todo o esforço que você fez “vai em vão”, claro que não é em vão porque você acumula experiências, mas tem que fazer tudo de novo lá, mostrar seu potencial. Não adianta dizer que você era maravilhoso em Salvador porque eles só vão confiar no trabalho que desempenhar com eles.

Você queria sair da Folha para virar gerente de comunicação do Bahia?

Na verdade, não foi exatamente assim. “Não sou eu que me navego, quem me navega é o mar”, ou então aquela música de Zeca Pagodinho: “Deixa a vida me levar”. Tudo aconteceu. Minha volta para Salvador já foi na situação de correspondente, uniu o útil ao agradável, porque eu voltei para ficar com a família trabalhando para a Folha de S. Paulo, que é um jornal importante. Mas não foi algo pensado. Surgiu uma vaga e aconteceu de eu ir para o Bahia. O clube sofreu uma revolução democrática e era algo pelo qual eu sempre batalhava. Sempre fui torcedor fanático. Militei denunciando as coisas que aconteciam de erradas e tudo o que eu queria e sonhava se tornou realidade. Por isso, quando me fizeram esse convite foi mais cativante, o que me surpreendeu muito. Os que conhecem a minha face tricolor acham que eu nasci para isso. Mas, na verdade, eu não concordo. Os que não me conhecem dizem que eu sou maluco por abandonar a Folha de S. Paulo para ir para o clube. Na verdade eu não dirigi minha carreira, só aconteceu.

Quais foram as experiências como correspondente que mais você guarda?

Difícil essa pergunta. Embora eu não tenha ficado tanto tempo como correspondente, eu digo que meu horário de trabalho era do acordar ao dormir. Por exemplo, na véspera de uma eleição municipal em 2012, teve um apagão no final de semana e já tinha trabalhado o dia todo. Surgiu esse blackout de madrugada, uma coisa interessante para a Folha de S. Paulo e eu tinha que ficar apurando de madrugada mesmo. Eu sou apaixonado pelo jornalismo, apesar de tudo o que existe. Eu fazia na maior boa vontade, não achava ruim não. Eu lembro a primeira manchete que consegui fazer com outros colegas correspondentes sobre o interior da Bahia. Cobria situações completamente diferentes do que fazia em São Paulo. Outra coisa legal de correspondente: eu podia cobrir desde a vinda da presidente Dilma até a gravação da microssérie Canto da Sereia, com Ísis Valverde. Eu fazia de tudo, de economia a cultura. Isso era muito legal. Eu sempre gostei. As pessoas acham que o pessoal de esporte só pensa em futebol. Alguns colegas são assim mesmo, mas eu nunca fui assim. Então, era bacana essa possibilidade de mexer com muita coisa ao mesmo tempo.

Para quem aspira ser correspondente ou ir para fora, qual seu maior conselho?

Eu tenho muitos amigos baianos jornalistas em São Paulo, me sentia em casa. Tem até uma galera que fala “máfia do dendê”. Para quem quer sair, eu acho que o mais importante de tudo é você trabalhar forte, duro, se empenhar muito mesmo. Não tem como achar que as coisas vão acontecer do nada. Você tem que dar o seu melhor, ir construindo uma carreira forte aqui para quando chegar lá ser mais fácil. Se você pensa em ir antecipadamente, digamos assim, está querendo ir de qualquer jeito, acho que tem que tentar. Antes de ir, é importante fazer contatos, talvez com amigos que possam ajudar. Tem muita questão de indicação. Acho que quem escolheu jornalismo escolheu sabendo que é difícil. É um campo de saber muito romantizado apesar de tudo. Tem muito daquela visão do jornalista fumando, com a máquina de datilografar, com matéria no lixo. Muita coisa desse romantismo é uma metáfora. As coisas continuam difíceis. Você tem que ir junto com essa visão do sonho e do mundo glamoroso, mas batalhar muito.

Como você vê a importância de eventos como o Ciclos do Jornalismo para os estudantes?

Eu acho muito importante. Eu, ex-faconiano, estou aqui feliz da vida por estar de volta à Facom matando a saudade. Eu lembro que logo no início da minha faculdade, no primeiro semestre, houve um evento parecido, com jornalistas mais experientes e isso me marcou muito. Eu entrei aqui no auditório, com algumas melhorias claro, mas o mesmo lugar. Fiquei lembrando daquele dia que gente como Zezão Castro, um jornalista conhecido aqui da Bahia, falou sobre como era a vida na redação. Então eu acho fundamental. Tem que acontecer com frequência.

Juan Torres: "É importante desmistificar a ideia de inferioridade"

Marina Bastos

Diretor de inovação do Correio, Juan Torres, trabalhou para o jornal Marca (Espanha) e fez intercâmbio no The Texas Tribune (EUA). No Rio de Janeiro, atuou no Globoesporte.com, jornal Extra e Agência EFE.

Trabalhar fora do Brasil sempre foi uma de suas aspirações? Como foi que isso aconteceu?

Não foi uma aspiração, mas eu sempre tentei sair. Eu sou originalmente do Rio e trabalhar na Bahia já é trabalhar fora para mim. Eu acabei construindo minha carreira e me estabelecendo aqui. Desde a minha primeira experiência fora, que aconteceu na Espanha e mais recentemente nos Estados Unidos, procurei e ainda procuro programas e oportunidades que possam acrescentar ao meu currículo, me fazer crescer dentro da minha carreira e melhorar o jornalismo.

Como surgiu essa oportunidade de trabalhar no Correio?

Na verdade, eu vim porque eu tinha uma namorada que era baiana. Eu morava no Rio e vim morar com ela. Na época, eu trabalhava de casa e para mim era muito tranquilo me mudar. Eu “freelava” para algumas revistas da editora Abril,. Tinha acabado de fazer o Curso Abril. Então eu vim para a Bahia e depois que já estava aqui surgiu a oportunidade no Correio.

A oportunidade do Texas Tribune, como surgiu?

Isso foi um programa do ICFJ [sigla em inglês para Centro Internacional para Jornalistas]. Eles selecionam, por ano, cerca de 20 jornalistas da América latina para ficar cinco semanas nos Estados Unidos. Dessas cinco, em duas a gente ficava em Washington tendo palestras, treinamentos, workshops com jornalistas de diversos veículos, visitando redações e nas outras três a gente podia ficar num veículo da nossa escolha. Eu escolhi o Texas Tribune porque eu gosto muito de jornalismo de dados e Texas Tribune é referência nisso e em inovação também, o cargo que eu ocupo agora no Correio. Eu escolhi e foi ótimo.

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Como você acha que essa experiência no Texas Tribune pode trazer melhorias para o Correio nesse trabalho que você faz de inovação no jornal baiano?

O Texas Tribune tem um modelo de negócio muito bem-sucedido. Eles começaram em 2009 e são referência em inovação. O jornal está sempre fazendo projetos muito bacanas de jornalismo de dados e também projetos digitais muito legais. Isso é um pouco o que meu cargo hoje pede no Correio. A digitalização da marca também. Eles têm um modelo muito interessante de negócio, totalmente inovador. A geração de receitas deles é bem mista, fazem eventos, fazem coisas diferentes e muito interessantes. Eu acho que dá para tentar aplicar alguma coisa aqui.

Qual seria a maior diferença entre a organização da empresa jornalística de fora, tanto na Espanha quanto nos Estados Unidos, e do Brasil, no Rio de Janeiro e na Bahia?

Isso é uma coisa que é realmente diferente, mais nos Estados Unidos do que na Espanha. É importante sair para a gente beber de outras fontes, mas também é importante desmistificar essa ideia de inferioridade que faz parte do espirito de vira-lata que brasileiro costuma ter. As redações cometem os mesmos erros, os problemas são muito parecidos, como, por exemplo, o problema de muito trabalho. Eu acho que a gente até tem uma vantagem muito interessante que é a criatividade. Muitas vezes, eles têm muitos recursos, mas eu percebo que a gente consegue fazer com a criatividade coisas muito bacanas aqui com menos dinheiro. Em termos de organização, na Espanha, talvez por ser um país latino, achei a redação muito parecida com a daqui. A diferença era apenas que eles tinham mais gente, o volume de trabalho era um pouco mais tranquilo. Nos Estados Unidos, realmente, a diferença é grande. As redações aqui costumam ser muito barulhentas, o pessoal agitado, brincando, gritando. Nos Estados Unidos é mais rigoroso, a impressão que dá é que você está em um escritório de advocacia, todo mundo em silêncio.

Quais as diferenças que você percebeu entre os tipos de jornalismo praticados nestes países?

A gente tem um jornalismo da escola americana, muito mais objetivo, com mais pirâmide invertida, uma estrutura muito mais engessada, um jornalismo muito declaratório. Já o jornalismo europeu trabalha muito mais com a especulação, com análise e com um texto mais livre, essa é uma diferença grande. Outra diferença é quanto ao posicionamento político. Lá os jornais têm uma liberdade, eles se posicionam politicamente muito claramente. Aqui no Brasil, a gente tem muito ainda a ideia de que os jornais têm que ser isentos e objetivos. Na Europa, a posição de um jornal fica muito mais clara para o leitor. No Brasil não, os jornais tendem a perseguir uma posição mais neutra, o que é muito difícil. Então, essa é uma diferença grande, também.

O que você acha que essas experiências, tanto aqui, quanto fora, acrescentaram à sua carreira?

Eu acho que a gente está acrescentando constantemente. Todas as experiências somam. Acabei me estabelecendo e construindo grande parte da minha carreira aqui na Bahia mesmo, o aprendizado que eu tive no correio é sem duvida maior do o que eu tive em todas as experiências fora. Acho que a saída para outros estados ou para o exterior é muito importante para você ver o que tá acontecendo lá fora, voltar e perceber que a gente faz um bom trabalho aqui, equivalente ao trabalho que se faz lá. Essas oportunidades, além te darem aprendizados muito úteis para trazer para cá, também são uma boa injeção de autoestima que nos permite ver que produzimos coisas legais aqui.



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Quais são os conselhos que você dá para quem quer trabalhar um tempo fora?

O que eu acho legal é que nas minhas experiências mais duradouras fora, a da Espanha que foi de seis meses e a dos Estados Unidos que foi de cinco semanas, eu nunca gastei um centavo. Pelo contrário, eu acabei voltando com dinheiro. Existem muitos programas disponíveis fora do Brasil que dão bolsas e que mantem a gente lá por um tempo. São programas interessantes e existem vários sites por onde é possível acompanhar, como o próprio site do ICFJ. É importante acompanhar esses movimentos, esses programas e seguir essas oportunidades porque é bem possível sair e voltar sem para isso ter que desembolsar uma grana.

Qual a importância de eventos como esse do ciclos de jornalismo, onde o aluno pode ter contato com jornalistas atuantes?

Eu acho esses eventos incríveis. Na minha época de faculdade, eu ia para todos e ficava muito ansioso para ouvir gente que está no mercado e já passou por essa estrada. Eu acho muito interessante a iniciativa. Quando a professora Lia Seixas me convidou eu fiquei feliz por poder participar. Eu acho muito bom, é muito legal essa troca com os estudantes. É clichê isso, mas sempre tem uma troca, não é força de expressão, a gente sempre aprende porque é questionado e isso nos obriga a refletir, a pensar na nossa própria carreira, como nos do Ciclos de hoje. Enfim, passar para vocês um pouquinho do que a gente tem feito. Imagino que para os alunos seja legal também ouvir um pouco dessas experiências.

Malu Fontes: "A gente não tem uma crise só do jornalismo baiano"

Beatriz Costa

Malu Fontes é professora da Facom-UFBA e do PósCOM, jornalista, colunista do Correio e comentarista da Rádio Metrópole.

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Existe alguma especificidade no jornalismo baiano com relação aos demais mercados no Brasil?

Não, obviamente que temos um olhar mais viciado porque moramos no lugar, então conhecemos todas as variáveis do campo jornalístico, mas eu não vejo hoje nenhuma especificidade do mercado baiano, a não ser que a gente não é um dos grandes centros econômicos do Brasil. São Paulo porque movimenta o PIB nacional praticamente. O Rio de Janeiro porque tem uma influência na questão do entretenimento e pelos aspectos culturais. Brasília porque é o centro de decisão política, mas não é em si o jornalismo brasiliense, mas informações produzidas lá. Exceto isso eu não vejo nenhuma característica que torne Salvador diferente. Ao contrário, eu acho até que, por exemplo, pelo que o Correio se transformou nos últimos anos, tem tido muito status dentro dos jornais brasileiros. Ele não está nada devendo em termo de renovação e investimento em tecnologia.


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O mercado baiano vive uma crise?

A gente não tem uma crise só do jornalismo baiano. Primeiro temos uma crise do jornalismo mundial, depois do nacional. O que eu chamo de crise é como se ajustar a esse novo mercado pós-industrial com a decadência do impresso. Mas levando em conta que a gente está dentro disso, no Nordeste eu acho que a gente tem os problemas que todos têm, claro que dentro das suas especificidades regionais. Por exemplo o que é que Sergipe tem que a gente não tem? O que Pernambuco tem que a gente não tem? Eles estão na frente da gente exatamente em quê? Todos estão passando por crises semelhantes.

Como os anunciantes entram nesta questão?

O anunciante entra aí como personagem fundamental. Se ele está em crise econômica acontece uma crise dupla porque hoje, por exemplo, ele não consegue ver no digital as grandes apostas que ele pode fazer. Então, ao mesmo tempo que não tem dinheiro para apostar, não vai apostar naquilo em que não acredita. O impresso é muito caro e se restringe a um público cada vez menor. Um grande anunciante que publica uma página inteira de um jornal impresso tem um retorno, mas é caro e esse retorno jamais será igual ao que já foi um dia. Eu fico imaginando hoje alguém que tem um produto jovem, a marca Coca Cola, por exemplo, para ela anunciar onde é que ela chega. É muito difícil. É um desafio aqui, em Sergipe, em qualquer lugar.