segunda-feira, 10 de outubro de 2011

4ª edição do Ciclos de Jornalismo tem debate acalorado sobre crítica cultural

Alexandro Mota

O lugar do crítico e suas adaptações às novas mídias, as mudanças nas "críticas" publicadas em produtos jornalísticos, o funcionamento das relações entre críticos, público e mercado de divulgação, além das discussões em torno da formação do crítico cultural foram os principais assuntos da 4ª edição do Ciclos de Jornalismo. Atividade de extensão permanente da Faculdade de Comunicação da Ufba, o Ciclos debateu, na última quarta-feira (06),  o tema “Jornalismo Cultural: da especialidade à crítica”. Além de criar relações de aproximação entre acadêmicos e profissionais - principal objetivo do evento - esta edição proporcionou o encontro de diferentes gerações de críticos de arte e o dialogo entre diferentes visões do exercício do jornalismo cultural, entre essas, a de uma estudiosa em criticar os críticos. As provocações lançadas aqui no blog e direcionada aos participantes auxiliou o debate.

Enriquecido com essa diversidade, o evento proporcionou a pouco mais de 100 participantes (entre professores, jornalistas e estudantes de diferentes cursos e instituição de ensino), e aos internautas que acompanharam a transmissão ao vivo pela web, uma manhã de reflexão sobre os desafios e práticas do jornalismo cultural. Proposto e moderado pela professora Regina Gomes, o debate sobre essa vertente de atuação do jornalismo teve como convidados: João Carlos Sampaio, jornalista e crítico de cinema; Hagamenon Brito, editor de cultura do jornal Correio* e Antonio Marcos Pereira, professor do Instituto de Letras e colaborador do caderno Prosa & Verso de O Globo. Estes debateram com o professor e crítico de cinema, André Setaro, a professora do Instituto de Letras da UFBA e pesquisadora de crítica cultural, Rachel Lima e com o músico, jornalista e professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA, Messias Bandeira.


“A crítica é a arte da paciência”, definiu o professor André Setaro, fazendo referência à necessidade de um repertório para a excelência na profissão. Repertório esse que, segundo debatido na mesa, não deve se restringir apenas ao consumo de bens culturais, mas na busca de capacitação para analisá-los. João Carlos Sampaio lembrou as dificuldades que teve ao iniciar sua carreira, em 1993: “A ausência de um predecessor com as características do que eu tento fazer hoje, que é manter um diálogo nacional, trazendo para a Bahia informações, análises e referências, tornou meu caminho um desafio, mas também tornou mais saborosa cada pequena conquista”, disse. Não foi diferente para Hagamenon Brito, que contou sobre sua formação quase que “autodidata” como crítico e avaliou o Ciclos de Jornalismo como uma oportunidade de aprendizado. “Esse é um evento que deveria acontecer cada vez mais para aproximar a academia do mercado. No geral, sofre-se muito ao chegar ao mercado com uma visão elitista e teórica demais”, analisou o jornalista.

Tanto para Hagamenon como a professora Rachel não se faz mais crítica cultural (musical ou literária). Para Hagamenon o que se tem hoje é uma mistura de “resenha, informação e serviço”, não só pelos constrangimentos da rotina no jornalismo, como o tempo, sobre o qual todos falaram, mas também por ser, para ela, uma necessidade do público. Quanto a este último, o professor e crítico de literatura Antonio Marcos rechaça a ideia de leitor ideal e diz que, quando escreve, pressupõe estar falando para pessoas que lêem ou que têm interesse, não só na leitura, mas também no que é esta experiência de leitura. Já para a estudiosa de crítica Rachel Lima, o que se faz hoje nos produtos jornalísticos é apenas resenha, notando, inclusive, o desaparecimento de alguns cadernos culturais.

A internet e as fronteiras entre o amador e o profissional

As influências da web e sua multivocalidade no universo da crítica foi uma discussão levantada por Messias Bandeira. Hagamenon reconheceu o caráter desafiador da internet, o que, segundo ele, incentiva jornalista e críticos culturais a buscarem novas formas de realizar o seu trabalho, no entanto, disse se preocupar com a perda das fronteiras entre o amador e o especialista. Esse último aspecto, no entanto, não abala João Carlos Sampaio, que vê nesta característica um dos potenciais da rede, já que, para ele, é o leitor que deve escolher com quem se identifica, independente da formação. No debate, foi inquestionável o quanto o advento da internet aquece a relação entre autor, produtor e público.

Diante da pouca oferta de especialização, da pouca valorização desse profissional no mercado e aumento do número de produtores de crítica, a pesquisadora Rachel ponderou: “Não se trata de uma crise da crítica, mas uma reconfiguração. Há uma lamentação geral, e, paradoxalmente, isto acontece em um momento de uma expansão da cultura”. Ela lembrou que alguns pensadores propõem que críticos reconheçam a subjetividade de suas falas e abandonem a objetividade e imparcialidade exigida. Na contramão, profissionais queixam-se que as demandas das redações não permitem análises aprofundadas e revisões das obras, além de cobrar o que chamam de “resenha crítica”. “A crítica estruturada perdeu espaço no jornalismo diário, agora está mais nas revistas e blogs especializados. É preciso buscar novas formas para reverter esse declínio para que, no caso dos jornais, não fiquemos reféns da indústria da divulgação”, avalia Hagamenon.

Como esta a produção cultural na Bahia?

Provocados pela professora Regina Gomes para que fizessem uma análise da produção cultural baiana nas suas áreas, os especialistas fizeram elogios e críticas de artistas e do contexto. Rachel Lima criticou certo bairrismo existente na produção local.  Hagamenon avaliou a decadência do Axé Music – termo cunhado por ele – destacando raras exceções na MPB, até mesmo no Pagode, além de opinar sobre a cena do rock: ”Os rockeiros baianos choram demais e não fazem muito". Quanto ao cinema baiano, Setaro afirmou que há uma efervescente produção, mas que não há mobilização para distribuição e exibição: “Do que adianta produzir cinema para que fique restrito aos amigos e aos festivais?”. No diagnóstico de João Carlos Sampaio, há na Bahia um descompasso com a produção cinematográfica no restante do país, que tende a criação de coletivos. Messias Bandeira, como sempre, brincou em sua análise: "A melhor coisa em música no ano passado é meu disco", arrancando os risos da platéia.

Confira, em breve, os vídeos em que os especialistas fazem esta análise.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Termo "axé music" nasceu pejorativo, mas se tornou forte | Hagamenon Brito explica

Jessica Lemos
Foto: Daniele Rodrigues (Labfoto/Facom)

Como surgiu o termo “axé music” ?
Eu sou de uma formação musical roqueira. Eu era roqueiro na década de 80, quando surgiu o axé music. Ninguém gostava do axé music. Era uma coisa brega. De mau gosto. Tudo que não era legal, ou era muito carnavalesco a gente chamava de axé. Eu acrescentei o music porque já tinha o termo som music, o reggae music. Então eu acrescentei de forma pejorativa, achando que aquele som que tinha a pretensão de ganhar metade do planeta, jamais conseguiria se tornar algo realmente forte e tão grande. Quebrei a cara, porque o negócio de fato se tornou muito grande. No início eles todos de um modo geral detestavam o termo. Foi preciso que a mídia do sul gostasse do termo para que ele fosse aceito entre os artistas. A banda Beijo foi a primeira a utilizar o termo.

Até que ponto pode-se dizer que a crítica cultural é jornalismo?
De certo modo sempre há uma coisa na crítica que é meio ambígua. É difícil escrever uma arte. Ela já nasce de certa forma ambígua, mas isso vale pra qualquer tipo de crítica. E é jornalismo porque você investe também em reportagem. Não é apenas uma opinião que você fala seu gosto pessoal. A partir disso interfere também na música. Você chega ao ponto de descrever o artista, o ser humano. E procurando se especializar e procurando revelar ao leitor alguma coisa a mais do que o óbvio que já esta ali. Isso é jornalismo também, principalmente se tiver uma formação de jornalista no sentido mais clássico.

Você se sente mais jornalista ou mais crítico?
Mais jornalista. Apesar de eu ter feito jornalismo porque eu gostava de cultura. Eu fui repórter e sou essencialmente repórter. Uma coisa é ser crítico musical, outra coisa é ser um crítico musical que conhece e se especializa. Isso tem um apelo maior. Você se torna mais conhecido e se envolve com a polêmica. Eu gosto da polêmica, eu gosto da influência do new jornalism americano e de pessoas como Paulo Francis. Ao menos que você seja só colunista, e não tenha uma formação direta, se especializa em alguma coisa e se torna colunista, então é diferente, porque você não vive a redação e não vive a reportagem.

Como você define uma boa crítica musical?
Vou falar um clichê. Construtiva. Exatamente aquela que você procura não colocar apenas seu gosto musical, porque toda crítica passa por um gosto musical inegável. Então vem a formação de cada critica, porque passa pela formação de cada um, mas que você procura ver como um todo. Isso acontece quando os críticos musicais são muitos jovens, embora desde cedo você goste de polêmica e chame a atenção. Só com um tempo você ganha experiência para criticar uma coisa. Conhecer o que está se fazendo sem ter um modelo, quando você é muito jovem e gosta de determinado assunto, acaba pecando muito. Tem coisas que eu escrevi a 20 anos atrás, que eu olho hoje e tenho vergonha. Não me arrependo, mas hoje não escreveria isso de maneira alguma.

Como você vê  a influência da internet na crítica musical?
É bom. Porque você tem mais fontes. Você tem mais elementos. Isso te ajuda a renovar seus conceitos. Com a internet, acabou a distinção do que é especialista (jornalismo) e o que é amador. A maioria que escreve na internet não é especialista e pode derrepente fazer com que aquela critica reverbere de forma importante para o artista. Por exemplo, Claudia Leite se incomodou mais com a crítica das redes sociais do que com a crítica especializada, então ela deu o que eu considero um "tiro no pé'. Um anti-marketing. Se ele não tivesse respondido às redes sociais, as criticas amadoras teriam passado em branco. Acredito que dificilmente um artista mais experiente teria feito o que ela fez.


Você afirmou durante o debate que a crítica como crítica estruturada acabou. Que o público busca uma mistura de resenha, informação e serviço. Explique melhor sua definição.
A critica especializada na academia é um bloco especializado. O jornalismo estruturado é uma coisa maior, requer um espaço maior e uma atenção maior. O jornalismo diário não tem mais espaço para isso. Por isso vai para o lado da resenha. A crítica estruturada necessita de um espaço de tempo. O que a gente produz num dia é pouco e teria que ser renovado diariamente. A crítica como crítica estruturada não acabou. Ela se adaptou aos novos tempos. Os jornais foram diminuindo o espaço cultural, você vai sendo usado por essa cultura de celebridades. Você também incorpora quando vai fazer uma critica. Agora, quando você faz uma crítica, faz uma mistura, uma resenha, falando o que pensa do contexto que aquilo foi feito, ao mesmo tempo, fala um pouco de informação e um pouco dos detalhes interessantes da vida desse artista. Não dá para falar só da parte musical, tem que falar do contexto pelo qual ele passou. Numa crítica estruturada, você fala durante três páginas sobre como é o trabalho do artista, analisa música por música, o trabalho dele, a produção e a relação com a historia da som music. Fica mais cerebral. Mais teórico. Isso é o que eu chamo de critica estrutural.

Contatos com Hagamenon Brito:  hagamenon.brito@redebahia.com.br 

"Tenho apetência por este caos de possibilidades e muita fé na crise como um movimento inevitável à renovação" | João Carlos Sampaio


Lucas Gama
Foto: Renato Alban (Labfoto/Facom)

Na sua apresentação de hoje, no Ciclos de Jornalismo, você falou sobre os principais desafios do jornalismo cultural, nos dias atuais ( a demanda de cada veículo, o espaço limitado no jornal, esvaziamento da análise..). Quando você começou, quais eram os desafios?
O principal desafio de quem começa em alguma profissão é, principalmente, a pouca experiência, que se compensa com muita disposição e coragem. Na época que eu comecei, em 1993, o cinema brasileiro vivia um processo de estagnação e o cinema, como um todo, também não gozava de espaços generosos nos veículos impressos. A cada dia tentei trilhar o ofício da crítica com seriedade, comprometimento e consegui cavar espaços inéditos para um profissional baiano/nordestino. Assim me tornei o primeiro deste canto esquecido do Brasil a compor o conselho para escolha do representante brasileiro no Oscar e fiz parte de seleção de filmes para os principais eventos de cinema do país. A ausência de um predecessor com as características do que eu tento fazer, manter um diálogo nacional, viajando para os festivais e trazendo em primeira mão para cá informações, análises e referências foi um dificultador, tornou meu caminho um desafio, no qual eu precisei provar algum valor a cada dia, mas também tornou mais saborosa cada pequena conquista, até alcançar a visibilidade e o respeito em todo o país. Sem falsa modéstia, até porque me considero muito mais um sujeito determinado do que um tipo especial, conseguir pavimentar um outro parâmetro de comparação para o exercício da crítica e sobreviver com isso, do meu sacerdócio, do meu ofício, é uma realização que faz de mim um cara feliz. 

Com a Internet, aparecem novos canais para o crítico e sua crítica, como é o caso dos blogs e das redes sociais. Quais possibilidades você vê e prevê para a crítica de cinema, neste cenário, que ainda está em construção?
Sou muito esperançoso quanto ao cenário atual, invisto pessoalmente e com dedicação na difusão da cinefilia, do pensamento crítico e acredito que a internet vai se tornar cada vez mais o espaço, por excelência, para o debate. Gosto deste momento de indefinição, tenho apetência por este caos de possibilidades e muita fé na crise como um movimento inevitável à renovação, cenário propício para as mudanças e novas oportunidades. Pessoalmente, uso as redes sociais para soltar provocações e ainda pretendo, mais à frente, gerir um espaço que venha congregar o pensamento crítico, uma redação virtual, que permita uma flexibilização do espaço da crítica, para além dos medalhões como eu (risos). Eu creio muito no jovem crítico, na ousadia e na acuidade de quem está chegando. Em 1993, na minha lista de fim de ano escolhi como melhor filme exibido em Salvador Cães de Aluguel (Reservoir Dogs) e disse que seu diretor, Quentin Tarantino, era um talento promissor... um medalhão teme fazer essas previsões, os jovens, não. 

O que, de inovador, vem aparecendo na crítica de cinema, hoje? Você poderia nos citar alguns críticos ou veículos?
Na realização de cinema são tantas as novidades, que eu prefiro dizer que estamos vivendo um período de fertilidade e descobertas. Nunca tivemos acesso a tantas filmografias diferentes, realizadores dos quatro cantos do mundo, como estamos tendo agora. A viabilidade da troca dos filmes - até pela internet - dá acesso a tudo que se queira ver! É um sonho para alguém como eu, que era um jovem cinéfilo nos anos 1980 e saía da última sessão de cinema no extinto Teatro Maria Bethânia (atualmente uma churrascaria) sem saber se encontraria ônibus para casa ou dormiria na Estação da Lapa. É uma maravilha que ninguém mais precise fazer isto. No que se refere à crítica, acho que a internet também é a fonte mais promissora, os blogs pessoais são os pontos altos. Ler Luiz Zanin Oricchio e José Geraldo Couto, por exemplo, em seus espaços domésticos (dos blogs: http://blogs.estadao.com.br/luiz-zanin/  e http://blogdozegeraldocouto.folha.blog.uol.com.br/ ) é sempre uma delícia. Ter a reportagem em tempo real de Luiz Carlos Merten (http://blogs.estadao.com.br/luiz-carlos-merten/e sua verve tão cheia de detalhes, confissões e inconfidências é outra coisa nada desprezível. Fora isto, temos revistas eletrônicas muito sérias como a Contracampo, a Cinética e a Filmes Polvo. Sem falar, que todo dia se descobre algum potencial crítico engatinhando na rede com a força agradável das melhores surpresas. Basta estar atento e olhar sem preconceito.

"Existe um suposto divórcio entre o crítico e o público" |Regina Gomes

Susana Rebouças e Cláudio Jansen

Entrevistada pelo programa Universidade Notícia, da Rádio Facom, Regina Gomes, professora e moderadora da 4a edição do Ciclos, explica a sua sugestão do tema, discute a relação entre o crítico e o público, e, ao final, dá dicas para o estudante que quer seguir carreira de crítico.


"Eu não estou escrevendo para pessoas sem noção, são pessoas que lêem" | Antonio Marcos Pereira


Simone Melo
Foto: Daniele Rodrigues (Labfoto/Facom)

Quando questionado sobre o seu leitor, você disse que imaginava Messias, outro colega professor, sentado em um bar conversando contigo. A crítica literária tem fama de possuir um caráter hermético. A sua crítica também é assim, para pessoas com repertório próprio de doutores da academia?
Não. Quando eu escrevo para o jornal, eu sempre me preocupo em ter bem claro para mim, que eu não estou escrevendo para a academia ou prioritariamente para acadêmicos. Mas eu também pressuponho que eu não estou escrevendo para pessoas sem noção, são pessoas que lêem, ou que têm algum interesse não apenas em leitura, mas em comentários sobre a experiência da leitura. É isso que modula as minhas escolhas de vocabulário, o meu enderaçamento na crítica a partir de certos procedimentos de narração, exposição e argumentação. Não existe pessoa sem repertório, e se você chega a abrir um caderno de cultura, isso significa que você já tem um nível de letramento bem considerável. É isso que eu levo em consideração na hora de produzir os  meus textos.

E o blog do pernambucano que você mencionou, que escreve críticas a partir de livros inventados. Você conseguiria definir que tipo de gênero ele estaria escrevendo nesse caso?
Na falta de melhor definição, eu diria que é ficção. É um pouco como Borges [Jorge Luis Borges, escritor argentino] quando fazia resenha de livros inexistentes e veiculava isso como contos. Então, acho que um alojamento possível para ele seria esse. Ah, esse cara está fazendo ficção, está inventando um jeito diferente de narrar. Mas há uma conexão muito explícita com a crítica, seus procedimentos. E eu acho que isso não deve estar muito distante do nosso jeito de observar a peculiaridade desse objeto, como o blog que o Bernardo Brayner produz, Livros que Você Precisa Ler. Acho importante salientar que a experiência dele como publicitário, diretor de arte em uma agência pernambucana, dão um matiz peculiar ao jeito como ele trata o objeto livro e o projeto de resenha que ele apresenta ali. Então, são todas essas coisas juntas que me fazem elencar esse blog como um espécie de invenção das possibilidades da crítica contemporânea. 

Você poderia falar um pouco mais sobre a escola subjetivista norte- americana...
Basicamente existe uma crítica ao ideal epistemológico da objetividade, do alinhamento e do afastamento. Por essa via, uma certa tradição de críticos começa a operar enquanto críticos valorizando exatamente o contrário, a proximidade, a intimidade; e na fala de palavra melhor, as dimensões “subjetivas”da experiência de leitura. Há uma série de livros que já foram publicados coletando esse material, historicizando esse movimento. É uma tentaiva de criticar o ideal de objetividade como sendo o motor principal da crítica.

"Praticamente, não existe crítica de arte, na imprensa baiana" | André Setaro


Lucas Gama
Foto: Renato Alban (Labfoto/Facom)

Como o senhor acha que essa palestra pode ajudar os estudantes, principalmente os de jornalismo que pretendem ingressar na área de crítica cultural?
Eu acho que essa palestra é importante, na medida em que os estudantes possam tomar conhecimento do que seja a crítica cultural, seja ela aplicada à musica, ao teatro, ao cinema, às artes plásticas. Primeiro saber o que é crítica. Neste particular, o esclarecimento é muito importante – e vamos ter aqui vários especialistas no assunto: Hagamenon, Messias, Sampaio, entre outros. Inclusive a minha inoportuna presença.

Atualmente, quais são os maiores desafios para um crítico de cinema?
Em primeiro lugar, os jornais reservam pouquíssimo espaço para o cinema. Cada vez mais, o espaço é diminuído e não se pode fazer criticas mais desenvolvidas, ensaios cinematográficos, como antigamente. Antigamente, havia um grande espaço para o pensamento cinematográfico. Praticamente, não existe [hoje] crítica de arte, na imprensa baiana. Não existe.

Qual dica o senhor pode dar para quem pretende ingressar na área de critica de cinema?
O sujeito, para ser “crítico”, precisa, em primeiro lugar, formar um repertório. Ver filmes. Ver, ver e ver filmes. E ter uma preocupação em conhecer os filmes essenciais da história do cinema, para ter uma base referencial, sem a qual não será um bom crítico.

Como crítico de cinema, quais foram seus trabalhos mais marcantes?
É difícil dizer, porque como crítico, como comentarista de cinema, eu já tenho 32 anos... aliás, não! São 37 anos, que escrevo em jornais. E destacar, assim, o mais importante, é difícil. Todos os trabalhos são marcantes. Mas eu destacaria um: a entrevista que fiz a James Stewart, em 1984, no Rio de Janeiro. E, também, a entrevista que fiz com Glauber Rocha, em outubro de 1976, na sala da Tribuna da Bahia.

"O jornalismo cultural passa por um momento de dispersão e de requalificação" | Messias Bandeira

Luiza Sanches
Foto: Daniele Rodrigues (Labfoto/Facom)

Como você analisa o atual uso massivo da internet, servindo como facilitador da produção de publicação de opinião?
Essa democratização, essa horizontalidade que nós temos hoje na produção da cultura, eu acho absolutamente importante, porque você desloca, você libera o pólo de emissão. Você tem novos operadores no campo da cultura, que não estão necessariamente submetidos a uma estrutura formal,
administrativa, tradicional como conhecemos.

Você afirmou: "Hoje, a tecnologia  de compartilhamento redefiniu todos os processos: da relação do artista com o público, da economia da música online, etc.". Eu perguntaria como a crítica cultural pode mediar essa nova relação entre o artista e o público, o público e o consumo?
Acho que o desafio, na verdade, agora é muito maior, porque a cultura contemporânea se apresenta de forma tão reticular, que são inúmeras as possibilidades de experiência. Então, ela assume uma tarefa, ao mesmo tempo desafiadora, mas muito arriscada diante dessa multivocalidade. O  crítico hoje, talvez tenha uma ingerência menor em relação ao seu público, em função dos inúmeros atores desse processo, mas continua aí o elemento mais importante da crítica; quer dizer, e aí sim, que ele é exigido e mais requisitado na sua qualidade, na sua capacidade de leitura de mundo, leitura da obra de arte. Ou seja, sua qualificação é mais exigida nesse momento. Então, o desafio é como estabelecer processos individuais de qualificação da leitura dessas obras.

Quais dicas você daria a estudantes que aspirem trabalhar com jornalismo cultural?
Eu acho que, primeiro, a questão de formulação do repertório é absolutamente importante. Claro que você não precisa cair na angústia, na ansiedade de informação, que parece ser natural hoje; mas é preciso um certo critério na construção do seu repertório. Então, você tem mediadores importantes como formadores de opinião que devem ser lidos sempre com uma certa desconfiança; oferecendo a mão, se oferecendo de maneira aberta a novas possibilidades. Eu acho que o jornalismo cultural acabou virando um horizonte sofisticado, para pessoas que não querem trabalhar em certas áreas, poque o entendem como uma áres mais nobre, uma área em que se tem todo um *hype* no seu entorno. Você vai ser convidado pra festas, espetáculos, vai viajar muito. Mas, ao mesmo tempo, eu acho que é um campo extremamente desafiador, como eu citei, tamanha a sua necessidade de atualização, de compreensão da cultura na contemporaneidade. Não é uma tarefa fácil, e também, não é uma tarefa superficial. Penso que a cultura contemporânea estabeleça para agente grandes horizontes em termos de conhecimento e, sem dúvida alguma, o jornalismo cultural passa por um momento de dispersão e de requalificação. Quem puder se colocar de forma mais estratégica nesse cenário obterá maior sucesso na produção da crítica.

"Existe uma tensão no campo e uma série de constrangimentos entre os próprios críticos" | Rachel Lima

Simone Melo
Foto: Daniele Rodrigues (Labfoto/Facom)

Queria começar perguntando a sua opinião sobre como formar um crítico literário. Ele deve ser um jornalista, deve ser um especialista em Letras?
Não há nenhum problema em formar um crítico literário no jornalismo. O que é necessário é que ele se interesse realmente pelo campo, tenha um conhecimento do campo literário, da história da literatura, que ele consiga fazer uma avaliação da obra, não é que seja objetiva, mas que tenha a ver com essa tradição do campo. Que consiga ter a sensibilidade de perceber a importância da novidade, daquilo que difere de tudo aquilo que foi feito antes, e que tenha essa condição de perceber como o espaço da crítica literária se organiza e que consiga se colocar e se posicionar bem nesse lugar.

Mas essa formação seria possível já durante a graduação?
É muito difícil. Na verdade, é difícil formar um crítico, porque é difícil chegar a essa posição. Imagine ter toda uma leitura dessa tradição, é complicado. Mas é claro que as pessoas precisam começar. No caso da crítica de cinema, o Glauber Rocha com 15 anos já fazia crítica de cinema. Precisamos perceber que há exceções. E existem críticos que são da área de Letras que não considero que sejam bons, isso varia muito. O crítico precisa se legitimar, possuir uma diferença, tem que ter coragem, não é fácil ser crítico. É uma atividade bastante arriscada, envolve subjetividade, conhecimento, leitura de mundo da contemporaneidade.

Que tipos de pressões sofrem os críticos literários na construção dos seus trabalhos voltados para o meio acadêmico?
Teoricamente, a academia é mais livre, ela estuda o que quer..

Por que teoricamente?
Porque ninguém é livre totalmente. Todo mundo tem uma visão que não é individual, mas construída dentro de um espaço social. Então, segue-se determinados alinhamentos também. Eu acho que não existe liberdade total para ninguém, nem para o círculo acadêmico. Se o professor fica muito distante de certas linhagens, ele acaba correndo um certo risco.Você tem que pensar o campo como um jogo conflituoso, há pessoas que preferem não trabalhar literatura contemporânea porque é menos arriscado, mesmo na academia. Não tem ninguém que não sofra pressões, você está dentro de um sistema. Teoricamente, pode-se estudar o que bem entender, mas haverão constrangimentos, que também são de ordem econômica, que podem te levar a perder espaço, se você ficar muito distante daquilo que é hegemônico. Mas, é claro que não há um consenso dentro da academia e isso faz com que haja um série de linhas teóricas em confronto.

Essas linhas de confronto não alimentam o debate?
Na verdade, há alguns debates no campo da crítica jornalística. Mas eu acho que os debates são poucos, deveria haver mais. Fica todo mundo muito na defesa porque sabe que é arriscado tomar posição. Existe uma tensão no campo e uma série de constrangimentos entre os próprios críticos.

Ciclos via hashtag #ciclosdejor

Cobertura via twitter da 4a edição do Ciclos de Jornalismo

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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Convidados ilustres nesta 4a edição do Ciclos

Na próxima quarta-feira, dia 05, teremos um encontro com ilustres participações. O formato segue o mesmo da 3a edição com 4 blocos: convidados apresentam, debatedores fazem perguntas a convidados, convidados perguntam entre si e platéia debate. Confira!

Convidados


João Carlos Sampaio @jcsampaio
Foto: Agnes Cajaíba
Jornalista e Crítico de cinema. Natural de Aratuípe-BA. Pesquisador que atua na análise fílmica há 18 anos, escrevendo para jornais, revistas e sites de vários Estados brasileiros; além de fazer comentários sobre cinema para programas de televisão e rádio. Colabora com a difusão do cinema brasileiro, participando de atividades cineclubistas, colaborando na implementação de projetos formadores de cineclubes. Atua ainda como consultor de programação, participando da seleção de filmes, tendo integrado júris de alguns dos principais festivais brasileiros, incluindo o de seleção de candidato brasileiro ao Oscar.  Trabalha também como curador de festivais, palestrante em seminários e ministrando cursos de cinema.


Hagamenon Brito

Jornalista baiano graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), começou a carreira profissional no jornal A Tarde, nos anos 80, quando criou o termo "axé music", e já colaborou com publicações como Veja Bahia, Bizz (SP), Showbizz (SP) e Palavra (MG). Com artigos publicados na revista Latin American Music Review (Universidade do Texas, EUA); no Jornal do Brasil; e no Dicionário Cravo Albim de MPB, atualmente é crítico de música, colunista e editor de cultura do CORREIO*, no site do qual mantém o blog Pop Head. Também é editor responsável do suplemento semanal Guia CORREIO*.

Antonio Marcos Pereira @antoniomarcos


Doutor em Letras pela UFMG, professor no Departamento de Letras Vernáculas da UFBA desde 2007 e colaborador do caderno Prosa e Verso de O Globo. Em 2008 foi distinguido com o prêmio do projeto Rumos Itaú Cultural na Carteira de Crítica Literária por sua pesquisa a respeito da produção crítica de Bernardo Carvalho.


Debatedores


André Setaro @andresetaro
Deu início à sua carreira de comentarista cinematográfico em agosto de 1974 (há, portanto, 36 anos) com uma coluna diária no jornal soteropolitano Tribuna da Bahia, onde escreve, toda quinta, até os dias atuais. Já publicou diversos artigos em outros jornais e revistas. Autor de verbetes da Enciclopédia do Cinema Brasileiro (editada pelo SENAI),  e organizada por Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda. É professor adjunto da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (desde abril de 1979), onde leciona disciplinas da área do audiovisual. Recentemente lançou Escritos sobre cinema - Trilogia de um tempo perdido (3 volumes), editado pela Edufba em parceria com a Azougue. Tem uma coluna sobre cinema na revista eletrônica Terra Magazine (confira a última) e o Setaro' Blog.


Rachel Lima

Pós-doutorado na Universidade Paris XIII, Doutorado em Estudos Literários/Literatura Comparada (1997) na Universidade Federal de Minas Gerais e Mestrado em Estudos Literários/Literatura Brasileira (1987), também na UFMG. Atualmente é Professora Adjunto da Universidade Federal da Bahia, atuando no curso de Graduação em Letras, no Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística e no Programa Multidisciplinar em Cultura e Sociedade. Desenvolve investigações nas seguintes linhas de pesquisa: Documentos da memória cultural, Teorias e crítica da literatura e da cultura, Cultura e Identidade. Seus trabalhos focalizam, principalmente, o estudo das teorias críticas da Literatura Comparada, a crítica literária e cultural brasileira e latino-americana, as representações do trabalho intelectual, os discursos memorialísticos e autobiográficos e a análise das narrativas da modernidade e da pós-modernidade

Messias Bandeira @audiosfera

Músico, Jornalista e Professor. É Doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea e Professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Prof. Milton Santos (IHAC), da Universidade Federal da Bahia. É produtor cultural e lida com temas relacionados a Música Online, Cultura Digital, Copyright e Tecnologias Intelectuais. Coordena o grupo de pesquisa e rede social “Audiosfera", sendo um dos articuladores da implantação da Universidade da Cultura Livre. Lançou, recentemente, o álbum "escrever-me, envelhecer-me, esquecer-me".  www.messias.art.br