terça-feira, 4 de abril de 2017

Juan Torres: "É importante desmistificar a ideia de inferioridade"

Marina Bastos

Diretor de inovação do Correio, Juan Torres, trabalhou para o jornal Marca (Espanha) e fez intercâmbio no The Texas Tribune (EUA). No Rio de Janeiro, atuou no Globoesporte.com, jornal Extra e Agência EFE.

Trabalhar fora do Brasil sempre foi uma de suas aspirações? Como foi que isso aconteceu?

Não foi uma aspiração, mas eu sempre tentei sair. Eu sou originalmente do Rio e trabalhar na Bahia já é trabalhar fora para mim. Eu acabei construindo minha carreira e me estabelecendo aqui. Desde a minha primeira experiência fora, que aconteceu na Espanha e mais recentemente nos Estados Unidos, procurei e ainda procuro programas e oportunidades que possam acrescentar ao meu currículo, me fazer crescer dentro da minha carreira e melhorar o jornalismo.

Como surgiu essa oportunidade de trabalhar no Correio?

Na verdade, eu vim porque eu tinha uma namorada que era baiana. Eu morava no Rio e vim morar com ela. Na época, eu trabalhava de casa e para mim era muito tranquilo me mudar. Eu “freelava” para algumas revistas da editora Abril,. Tinha acabado de fazer o Curso Abril. Então eu vim para a Bahia e depois que já estava aqui surgiu a oportunidade no Correio.

A oportunidade do Texas Tribune, como surgiu?

Isso foi um programa do ICFJ [sigla em inglês para Centro Internacional para Jornalistas]. Eles selecionam, por ano, cerca de 20 jornalistas da América latina para ficar cinco semanas nos Estados Unidos. Dessas cinco, em duas a gente ficava em Washington tendo palestras, treinamentos, workshops com jornalistas de diversos veículos, visitando redações e nas outras três a gente podia ficar num veículo da nossa escolha. Eu escolhi o Texas Tribune porque eu gosto muito de jornalismo de dados e Texas Tribune é referência nisso e em inovação também, o cargo que eu ocupo agora no Correio. Eu escolhi e foi ótimo.

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Como você acha que essa experiência no Texas Tribune pode trazer melhorias para o Correio nesse trabalho que você faz de inovação no jornal baiano?

O Texas Tribune tem um modelo de negócio muito bem-sucedido. Eles começaram em 2009 e são referência em inovação. O jornal está sempre fazendo projetos muito bacanas de jornalismo de dados e também projetos digitais muito legais. Isso é um pouco o que meu cargo hoje pede no Correio. A digitalização da marca também. Eles têm um modelo muito interessante de negócio, totalmente inovador. A geração de receitas deles é bem mista, fazem eventos, fazem coisas diferentes e muito interessantes. Eu acho que dá para tentar aplicar alguma coisa aqui.

Qual seria a maior diferença entre a organização da empresa jornalística de fora, tanto na Espanha quanto nos Estados Unidos, e do Brasil, no Rio de Janeiro e na Bahia?

Isso é uma coisa que é realmente diferente, mais nos Estados Unidos do que na Espanha. É importante sair para a gente beber de outras fontes, mas também é importante desmistificar essa ideia de inferioridade que faz parte do espirito de vira-lata que brasileiro costuma ter. As redações cometem os mesmos erros, os problemas são muito parecidos, como, por exemplo, o problema de muito trabalho. Eu acho que a gente até tem uma vantagem muito interessante que é a criatividade. Muitas vezes, eles têm muitos recursos, mas eu percebo que a gente consegue fazer com a criatividade coisas muito bacanas aqui com menos dinheiro. Em termos de organização, na Espanha, talvez por ser um país latino, achei a redação muito parecida com a daqui. A diferença era apenas que eles tinham mais gente, o volume de trabalho era um pouco mais tranquilo. Nos Estados Unidos, realmente, a diferença é grande. As redações aqui costumam ser muito barulhentas, o pessoal agitado, brincando, gritando. Nos Estados Unidos é mais rigoroso, a impressão que dá é que você está em um escritório de advocacia, todo mundo em silêncio.

Quais as diferenças que você percebeu entre os tipos de jornalismo praticados nestes países?

A gente tem um jornalismo da escola americana, muito mais objetivo, com mais pirâmide invertida, uma estrutura muito mais engessada, um jornalismo muito declaratório. Já o jornalismo europeu trabalha muito mais com a especulação, com análise e com um texto mais livre, essa é uma diferença grande. Outra diferença é quanto ao posicionamento político. Lá os jornais têm uma liberdade, eles se posicionam politicamente muito claramente. Aqui no Brasil, a gente tem muito ainda a ideia de que os jornais têm que ser isentos e objetivos. Na Europa, a posição de um jornal fica muito mais clara para o leitor. No Brasil não, os jornais tendem a perseguir uma posição mais neutra, o que é muito difícil. Então, essa é uma diferença grande, também.

O que você acha que essas experiências, tanto aqui, quanto fora, acrescentaram à sua carreira?

Eu acho que a gente está acrescentando constantemente. Todas as experiências somam. Acabei me estabelecendo e construindo grande parte da minha carreira aqui na Bahia mesmo, o aprendizado que eu tive no correio é sem duvida maior do o que eu tive em todas as experiências fora. Acho que a saída para outros estados ou para o exterior é muito importante para você ver o que tá acontecendo lá fora, voltar e perceber que a gente faz um bom trabalho aqui, equivalente ao trabalho que se faz lá. Essas oportunidades, além te darem aprendizados muito úteis para trazer para cá, também são uma boa injeção de autoestima que nos permite ver que produzimos coisas legais aqui.



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Quais são os conselhos que você dá para quem quer trabalhar um tempo fora?

O que eu acho legal é que nas minhas experiências mais duradouras fora, a da Espanha que foi de seis meses e a dos Estados Unidos que foi de cinco semanas, eu nunca gastei um centavo. Pelo contrário, eu acabei voltando com dinheiro. Existem muitos programas disponíveis fora do Brasil que dão bolsas e que mantem a gente lá por um tempo. São programas interessantes e existem vários sites por onde é possível acompanhar, como o próprio site do ICFJ. É importante acompanhar esses movimentos, esses programas e seguir essas oportunidades porque é bem possível sair e voltar sem para isso ter que desembolsar uma grana.

Qual a importância de eventos como esse do ciclos de jornalismo, onde o aluno pode ter contato com jornalistas atuantes?

Eu acho esses eventos incríveis. Na minha época de faculdade, eu ia para todos e ficava muito ansioso para ouvir gente que está no mercado e já passou por essa estrada. Eu acho muito interessante a iniciativa. Quando a professora Lia Seixas me convidou eu fiquei feliz por poder participar. Eu acho muito bom, é muito legal essa troca com os estudantes. É clichê isso, mas sempre tem uma troca, não é força de expressão, a gente sempre aprende porque é questionado e isso nos obriga a refletir, a pensar na nossa própria carreira, como nos do Ciclos de hoje. Enfim, passar para vocês um pouquinho do que a gente tem feito. Imagino que para os alunos seja legal também ouvir um pouco dessas experiências.