terça-feira, 4 de abril de 2017

Brenda Ramos: "As possibilidades de fazer comunicação estão muito amplas"

Ingrid Medina

Brenda Ramos, jornalista e produtora de eventos, possui experiência internacional como executiva de Comunicação em Angola.

Trabalhar fora da Bahia sempre foi uma aspiração sua?

Sim, durante um tempo. Eu trabalhava no A Tarde nessa época e um intercâmbio para a Inglaterra em junho de 2012 me inspirou a querer estudar ou ter uma experiência em comunicação fora. Em novembro do mesmo ano o universo parece ter conspirado e eu recebi o convite para trabalhar em Angola. Foi uma experiência maravilhosa. Eu indico para todo mundo porque é um crescimento profissional e pessoal incrível. Você tem que lidar com uma cultura diferente, trabalhar com seu texto, toda sua carga de cultura e de escrita e ter que transformar isso para uma outra realidade. Eu acho que todo mundo tem que estar aberto a isso de alguma forma.


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Você teve algum receio por ser a Angola, um país diferente?

Sim, muito. Minha família enlouqueceu. Surgiram os medos daqueles preconceitos que o continente africano já carrega ao longo da sua existência. Então, fiquei com medo de doenças, de acontecer alguma coisa, de violência e tudo mais. Só que a minha experiência lá serviu para desmitificar toda essa carga preconceituosa que a gente tem, quando não se vive na África, quando não a conhecemos. Foi muito importante para quebrar esses paradigmas. Claro que lá também existem problemas, situações muito graves: malária, febre amarela, até a questão do Ebola. É uma coisa assustadora se você parar para pensar. E tem pessoas que não conseguem conviver com uma realidade como essa. Mas para mim qualquer dificuldade gera aprendizado, então foi muito importante passar por isso.

Você poderia destacar uma experiência marcante que viveu lá?

Eu escrevia e editava um jornal interno, que circulava dentro da maior obra em andamento da África, a de uma hidrelétrica. O nome do jornal era “Laúca Informa” e ele era utilizado durante os trabalhos educacionais realizados nas vilas que iam sendo dadas pelas barragens. Quando eu recebi as fotos das pessoas das aldeias lendo o jornal, eu fiquei muito emocionada. Eu vi que estava sendo útil a informação que a gente estava produzindo. Foi uma experiência muito legal.

Quando você voltou aqui para Bahia, você sentiu muita diferença?

Sim, primeiro porque eu fiz uma transição de carreira. Logo quando eu voltei eu abri uma empresa, um espaço de eventos e comecei a trabalhar com comunicação dentro do meu próprio empreendimento. Agora eu estou editando uma revista que vai ser lançada em abril voltada para o mercado pet. Então, no lidar com as pessoas, eu senti muita diferença de trato com o outro. Em Angola eles são muito formais e o brasileiro é muito despojado. Quando você marca 17h, é 17h, não é 17h15, como é aqui. São essas pequenas formalidades, como a forma mais séria de lidar com o trabalho, e que acontece tanto com o povo angolano como com o estrangeiro de forma geral. Por se tratar do segundo país da África, maior fabricante de petróleo, tem muita gente de fora. Os padrões de comportamento, pessoais e profissionais, são completamente diferentes do Brasil. Então, após três anos lidando com tamanha formalidade, tive que voltar a lidar com o jeitinho brasileiro. Foi uma coisa bem complicada, eu me estressei muito.

Já recebeu alguma outra oportunidade para trabalhar fora ou está analisando alguma?

Nesse momento, não. Eu sinto muitas saudades de Angola, das pessoas e de tudo o que eu construí lá, de relações de aprendizado, mas eu acho que fechei um ciclo. O país em si não está muito propício financeiramente para construir uma carreira. Está muito difícil enviar dinheiro da Angola para o Brasil, os salários já não são mais em dólar ou em real. Então, financeiramente não está valendo a pena. Como agora eu tenho uma raiz, uma empresa para cuidar é diferente de quando eu recebi o convite, que eu não tinha nada, só minha bicicleta e um cachorro. Mas, hoje é mais difícil. Eu voltaria se fosse uma coisa mais pontual, um job. Talvez se fosse para outro país, com condições de vida melhor... Acho que meu ciclo com Angola se fechou e eu guardo com muito carinho.

Você recebeu alguma indicação para trabalhar lá ou 'meteu a cara'?

Quem me indicou foi minha ex-editora do A Tarde, Marlene Lopes, que estava lá há um ano e meio e me convidou para trabalhar com ela.  Ficamos mais ou menos um ano e oito meses trabalhando no gabinete de marketing da presidência do país. A gente ficava mesmo na área de administração, fazendo clipagem e monitoramento de mídia para os ministros. Uma experiência muito grande também, por lidar com o alto escalão. Eu tinha acabado de chegar e me deparei com esse desafio. Tive que mudar meu guarda-roupa todo, mas também foi um aprendizado, porque eu sempre fui assim, despojada, calça jeans e camiseta. Em Angola, como eles são muito formais, eu tive que fazer uma grande alteração no meu armário. Mas foi legal porque de certa forma é respeitar o ambiente do outro. Não podemos querer impor nossa cultura, nosso modo de se vestir para as pessoas.

Como você vê a importante de um evento como o “Ciclos de Jornalismo”?

Eu acho importante. Quando eu fiz faculdade de jornalismo eu tive um curso que pregava romantismo na área. Eu saí da faculdade achando que mudaria o mundo e quando a gente bate de frente com as dificuldades do mercado de trabalho é frustrante, na realidade de Salvador. Trazer pessoas que conseguiram romper barreiras de fronteiras da Bahia pode servir de estímulo, de inspiração para os estudantes estarem mais abertos. Às vezes a gente fica tão focado em estar aqui, que não consegue perceber as oportunidades que tem lá fora, principalmente com internet e redes sociais bombando. As possibilidades de fazer comunicação estão muito mais amplas. Acho que eventos como esse servem para abrir um pouco a mente dos estudantes.

Para quem aspira ser correspondente ou trabalhar fora, qual seu maior conselho?

Meu maior conselho é ter a mente e o coração aberto. Nunca achar que você é superior à outra cultura. Na verdade, esse é o princípio básico de sobrevivência de qualquer ser humano em qualquer lugar do mundo. É tratar o outro como você gostaria de ser tratado, isso vai lhe abrir portas, seja no escritório, na redação, ou na sociedade como um todo. Isso vai tornar sua experiência ainda mais rica em todos os sentidos: se colocar como um aprendiz. Você não está na sua casa, você está na casa dos outros. Você tem que ter um cuidado, um requinte no seu comportamento, para que você e as pessoas deem o seu melhor. Tornando tudo um aprendizado, o crescimento é geral, porque eles também vão aprender com a sua cultura. É uma postura educada, gentil e sem pedantismo. Principalmente no meu caso, já que fui para um continente que já se sente subjugado historicamente. Eu sou assim normalmente, acho que essa postura me ajudou a construir relações sólidas e aprender bastante com eles.

Qual a diferença da Brenda de calça jeans para a empreendedora?

Primeiro que lá se costuma dizer que três meses de Angola é igual a um ano no Brasil. Nossa rotina de trabalho era três meses lá e 15 dias aqui. A gente vivia tanta coisa, tudo tão intenso que eu acho que eu envelheci uns 10 anos nesse período. Eu me sinto muito mais madura. Eu me arrependo de algumas coisas desde que saí da faculdade, como ter ido muito para o mercado ao invés de seguir o que eu realmente acreditava. As oportunidades estão em tal área, então eu fui viajando em setores que não me satisfaziam, mas tinham oportunidade de emprego. Isso de certa forma é uma frustração. Hoje, eu aprendi a estar mais conectada com meus próprios valores, com o que eu realmente acredito e gosto de fazer. Por exemplo, eu amo animais, porque não posso fazer uma revista sobre isso? Se a gente conectar tudo que realmente gostamos com a profissão vai dar certo de alguma forma.

Por que empreender?

Na verdade, é a casa da minha família. Eu adoro festas, adoro eventos, uma coisa que me dá prazer e traz rentabilidade. Me conecta com minha família e fortalece nossa relação. Um negócio no qual posso gerir melhor meu tempo, inclusive em projetos paralelos, como essa revista. Me deu uma certa mobilidade e conforto de fazer o que eu gosto. Também faço curso de gastronomia à noite. Eu peguei as três coisas que mais gosto de fazer e estou fazendo. A gente tem que perder um pouco dessa percepção de ser uma coisa só, aquilo para o que se formou. É necessário estar com a mente aberta para fazer as coisas que realmente lhe dão prazer e o jornalismo é um ofício muito adaptável. Você pode usar a comunicação em qualquer coisa, em qualquer área da sua vida. Mesmo que você não entre em uma redação de jornal, monte uma empresa, ela estará em você, você vai usá-la ao seu favor. O mundo está muito múltiplo e a gente não pode se fechar em uma visão.